Musa

By Mel Bennett - junho 16, 2019

      Em uma tentativa de golpe contra a terra de onde todos os anjos nascem, meu pai selou um acordo com Lucinda, o arcanjo no comando de Dreamland. A filha do meio do reino do céu com o filho mais velho da terra das sombras. 
        Em uma fatídica tarde, Sophia e eu tivemos nosso primeiro encontro na cachoeira próxima à vila. Quis levá-la até lá pois sabia que ela apreciava o local, mas as tentativas de conquistá-la não foram eficazes. Foi exatamente nesse momento que percebi que a doce jovem de cabelos brancos não seria alguém fácil de se dobrar. 
        No entanto, ao contrário de qualquer pessoa que eu já tenha conhecido, lhe surpreendeu saber de um fato banal de minha vida: às escondidas de meu pai, que acha a prática inútil, eu pinto quadros. Aproveitar-me da inocência e fascinação da moça foi meu instinto. 
        - Quer ser minha musa? - meu tom era sedutor, como costumo usar com qualquer outra mulher. 
        Suas bochechas coraram a tal ponto que quase era possível sentir o calor à distância. 
        - Não sei... Depende de como for. 
      - Tranquilize esse pequeno coração, pode usar um pano para se cobrir - Meu sorriso de canto deixava clara a ironia, mas Sophia não parecia ser adepta desse tipo de coisa. 
        - Calma... Pensei que pintaria um retrato. Eu... preciso pensar. 
      - Pense, mas eu não desperdiçaria essa oportunidade - Meus dedos contornaram delicadamente seu maxilar. - Seus traços são lindos demais para não serem registrados. 
        Nesse momento, o olhar de Sophia mudou. Ela claramente estava intrigada, e talvez isso tenha lhe dado uma ponta de coragem. 
         - E quando gostaria de começar a pintar? - Sua voz era segura, firme. 
         Bingo! Estava muito próximo do que queria. No entanto, o toque final foi aparentar ser um bom moço. 
          - Quando estiver disponível. 
          Mal terminei de falar, e Sophia me interrompeu com sua voz baixinha e ansiosa: 
          - Bem, ninguém precisa saber, hm? Teria algum lugar? 
          Meus olhos arregalaram com sua resposta, mas logo recuperei a compostura. 
          - Meu ateliê fica a algumas milhas daqui, nada que não possamos ir voando. E ninguém precisa saber, concordo. 
         Por ainda estar conhecendo suas habilidades de voo, Sophia não conseguia se manter no ar por muito tempo, então não hesitei em carregá-la em meu colo, deixando que minhas asas nos conduzissem acima da floresta que circunda Shadowland. 
        Aterrissei na parte de trás do castelo, conduzindo-a pela mão através de uma porta discreta de madeira escura. Após alguns lances de escada, finalmente estávamos no meu ateliê, que fica no subsolo. A luz difusa do entardecer entrava pela janelinha pequena que dá para o pátio, trazendo um clima agradável ao local. 


         - Bem vinda! - Meu tom era de um bom humor sincero. 
         Os olhos claros do jovem anjo passeavam pelo local, e ela parecia sinceramente fascinada: 
         - Mesmo sombrio, é lindo aqui. 
     Peguei um elástico de cima de uma mesinha, prendendo meu cabelo em um rabo frouxo e bagunçado. Com as mangas de minha blusa puxadas até os cotovelos, arrumei o cavalete com uma das telas brancas que tinha em um canto. 
       - Bem... Deixe-me ver... - nesse momento, minha postura concentrada assumiu o controle. 
       Puxei um sofá antigo para frente da janela, assim os raios de sol bateriam em suas costas, criando um belo efeito. Meu sorriso continha certa malícia ao vê-la tão tímida. 
       - Fique à vontade. 
      - Bem, poderia me dar licença para eu me ajeitar? Eu realmente preciso ficar nua? - seu tom era tímido, e em nada se parecia com a moça que propôs ir até lá. 
        Pisquei para ela, sorrindo de canto: 
        - Tire suas próprias conclusões. 
       Fora do ateliê, dei tempo suficiente para que Sophia se arrumasse, e ao ouvir sua voz abafada, retornei... Paralisando ainda na porta. 


       A visão daquela mulher parcialmente enrolada em um pano branco, deitada no sofá em meu ateliê era literalmente angelical. Observei sua pele onde estava exposta, e fiquei curioso sobre como devia ser a textura dela, resmungando comigo mesmo: 
            - Parece tão macia... 
     Balancei a cabeça, me aproximando dela e agora a olhando de forma mais artística. Delicadamente, puxei seu cabelo para frente, deixando que se espalhasse pelo sofá. O sol da manhã fazia com que ele cintilasse. 
        De início, minha intenção não era pintá-la de fato, mas fiquei tão hipnotizado que dei alguns passos para trás, me posicionando atrás da tela. Munido de pincel e paleta, comecei a pintar freneticamente, dando atenção a cada mínimo detalhe daquele ser claramente sobre-humano à minha frente. 
         O olhar de Sophia se mantinha no meu, e isso era ainda mais tentador. Já havia pintado o esboço da parte superior de seu corpo, e quando cheguei ao rosto, me permiti parar para observar seus traços. Baixei o pincel por alguns segundos, e a cor rosa em suas bochechas me encantou tanto que já não pensava em pintar. No entanto, usei isso como desculpa para me aproximar, largando os apetrechos sobre a mesinha de canto e andando até minha musa. 


        Segurando seu queixo, minha voz saiu em um sussurro: 
       - Assim... Vai realçar seus traços. 
      E para nossa surpresa, acabei não a soltando, agora deixando que meu olhar transmitisse toda a intensidade do sentimento que começava a surgir ali. Seu olhar fixo em mim me acendeu imediatamente, principalmente quando percebi a exata direção em que ela olhava: para meus lábios. 
    Lentamente, me sentei no sofá, e percebi que Sophia também se inclinava cuidadosamente, prendendo o pano em seu corpo. Por alguns segundos, me limitei a não falar nada. 


      De forma premeditada, passei um dos braços em torno de seus ombros enquanto meu rosto se aproximava do dela. Foi instintivo como minha mão encontrou seu rosto, e as pontas dos dedos roçaram levemente na bochecha enquanto o polegar contornava de forma lenta seus lábios delicados. Sentir sua respiração ofegante em meu rosto fez com que minha voz ficasse rouca pela faísca que parecia ter surgido: 
        - A textura da sua pele... 
        - Você... Não vai continuar a pintura? - a voz dela era tão baixa quanto a minha. 
        - Depois... Shhhh! 
       Sem que Sophia se desse conta, deslizei uma de minhas mãos pela sua coxa, amando a sensação da pele em meus dedos. A forma como a trouxe para meu colo pode ter sido meio brusca, mas condizia com a urgência do momento. 
       - Amaranth, eu estou sem roupa... por favor, me coloque no sofá de novo - agora seu rosto todo estava em chamas. 
      Minha respiração ficou ofegante com a sua proximidade, e encostei nossas testas, fechando os olhos. 
       - Não quero. 
       Minha mão passeou pelas costas expostas, e um gemido baixo escapou involuntariamente debido à temperatura morna de sua pele contra meus dedos um pouco frios. Com o corpo de Sophia totalmente preso a mim, finalmente selei nossos lábios de forma demorada, estremecendo com a sensação. 
       Me afastei apenas para olhar sua expressão angelical, e a forma doce com que me fitava me fez grudar os lábios nos dela imediatamente, dessa vez dando início a um beijo intenso, onde um se entregou ao outro completamente, em uma sincronia perfeita. Durante o beijo, ainda escutei sua recusa hesitante: 
      - Não podemos... 
      No entanto, não conseguia parar, e Sophia tampouco. Sentir sua resposta positiva e entregue me levou a dar um puxãozinho que fez o pano descer, deixando a parte superior de seu corpo totalmente nua, mas antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, ela se cobriu novamente. 
      - Podemos sim - resmunguei. 


      Passei uma perna por cima de seu corpo, agora ainda mais quente, apoiando meu joelho do outro lado. Seus pulsos estavam presos contra o sofá quando colei meus lábios nos dela novamente, com vontade, dessa vez deixando o beijo mais lento, o que fez meu corpo inteiro responder com um calor fora do controle. 
       - Amaranth... - sua voz trêmula soava tão linda! 
      Me afastei, soltando o pulso que estava apoiado no assento do sofá e olhando fixamente aquele rosto perfeitamente desenhado enquanto meu indicador contornava o osso de sua clavícula, se aproximando cada vez mais do pano. Foi nesse momento que Sophia colocou o ponto final.
        - Não, não ouse. Eu... não quero. 
        Apesar de sua autoridade, meu tom ainda era persuasivo. Eu a queria tanto! 
       - Não quer? Mesmo? Sua pele está tão quente... 


      - Por favor... Não. Na verdade, eu quero - ela parecia constrangida por admitir seus desejos. - Por favor, ainda estamos nos conhecendo e vamos... casar. Quero fazer as coisas com calma, Amaranth. 
      Bem, só me restou soltar um longo suspiro, e meu tom ainda era sedutor quando a puxei para meu peito, deixando que o pano se enroscasse entre nós: 
      - Saber e sentir que você me quer já basta... Por hoje.

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